Escrito em 1848, foi um dos compêndios econômicos ou políticos mais importantes da metade do século dezenove. Há uma consolidação do pensamento econômico clássico – todas as escolas estão nele presentes: Smith, Ricardo, Say, Fisiocracia, Mercantilismo, etc.
No primeiro livro, intitulado produção, Mill explora a natureza da produção, começando com o trabalho e sua relação com a natureza. Mill afirma que “os requisitos da produção são dois: trabalho e objetos naturais apropriados”. Por objetos naturais apropriados se entendem o capital, a terra e meios de produção. Mill afirma mais adiante que “o trabalho no mundo físico é, portanto, sempre e somente empregado para colocar os objetos em movimento; as propriedades da matéria, as leis da Natureza, fazem o restante”. Essa visão do trabalho como deslocador de objetos físicos é importante, pois destaca o fato de que os objetos físicos não são capazes de variabilidade por si só; o que estabelece a variabilidade é o trabalho humano. Assim, o fator trabalho receberia o equivalente à sua contribuição - o salário - e o fator capital o equivalente ao seu lucro. Referindo-se à renda da terra, Mill afirma que “a renda (…) é o preço pago pelo uso de um agente natural apropriado. Esse agente natural é certamente indispensável como qualquer outro implemento; mas ter de pagar um preço por ele não o é.” Ainda que Mill não compartilhe da ideia de “contribuição de fatores”, sua visão universalista do processo de produção provoca confusão. Por exemplo, a noção que tem de capital (meio de produção) não se aplicaria somente a uma economia de trabalho assalariado voltada para a obtenção do valor excedente (a organização econômica que prevalece nos últimos duzentos anos), mas a qualquer organização econômica. Em suas próprias rugas : “supus que os trabalhadores sempre subsistem a partir do capital; e este é um fato óbvio, ainda que o capital não seja necessariamente fornecido por uma pessoa denominada capitalista”. Assim, toda e qualquer sociedade teria um fundo de capital que possibilita as condições de produção, ou de reprodução, em períodos posteriores. Nesse sentido, todas as pessoas seriam capitalistas. Há simplesmente grandes e pequenos capitalistas.
No livro segundo, denominado Distribuição, Mill diz que esta é uma questão das instituições humanas somente. Diz ele que “A distribuição da riqueza, portanto, depende das leis e costumes da sociedade. As regras pelas quais ela é determinada são feitas pelas opiniões e sentimentos que as partes dirigentes estabelecem e são muito diferentes em épocas e países diversos; e poderia ser ainda mais diferente se a Humanidade assim escolhesse”. O terceiro livro trata da troca e a lógica pela qual Mill percebe o mundo econômico é a seguinte: a riqueza é produzida segundo leis naturais; a seguir, ela é distribuída segundo leis convencionadas; finalmente, é trocada, também segundo leis convencionadas e consistentes com as leis da distribuição. A troca se dá no mercado; os bens são trocados por valores equivalentes. Daí a questão do valor ser básica para a compreensão do processo de troca. Já o quarto trata da influência do progresso da sociedade sobre a produção e a distribuição, aonde, para Mill, a impossibilidade de se evitar, em última instância, o que ele denominou de estado estacionário, não deveria ser vista com pessimismo. O estado estacionário seria, por definição, o da Economia que se reproduz sem ampliação. Segundo Mill, isso poderia ser bom, pois seria consistente como “o melhor estado para a natureza humana,(…) no qual embora ninguém seja pobre, ninguém deseja ficar mais rico, nem tem razões em temer ser passado para trás, em virtude do esforço de outros para ir em frente”. Por fim, a influência do governo é tratado no livro cinco. Simplificando a posição de Mill, podemos dizer que a interferência do governo tem aspectos bons e aspectos ruins; portanto, a interferência deve ocorrer de forma a maximizar os aspectos bons e a minimizar os aspectos ruins. Um critério fundamental de “bom” e “ruim” é o efeito sobre a “liberdade do indivíduo”; se esta é restringida, é ruim; se ampliada, é bom. Ele era crítico da concentração de renda sem o devido trabalho.[2]
Ensaio sobre a liberdade
Nessa obra Mill se refere à natureza e aos limites do poder que pode ser exercido legitimamente pela sociedade sobre o indivíduo. Mill desenvolve com maior precisão do que qualquer filósofo anterior o princípio do dano. O princípio do dano assegura que cada indivíduo tem o direito de agir como quiser, desde que suas ações não prejudiquem as outras pessoas. Se a ação afeta diretamente apenas a pessoa que a está realizando, então a sociedade não tem o direito de intervir, mesmo que se tenha a sensação de que o indivíduo esteja se prejudicando. Parafraseando Mill, “sobre si mesmo, sobre seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano”. Mill argumenta, entretanto, que os indivíduos são prevenidos de fazer algo ruim para eles mesmos ou sua propriedade pelo mesmo princípio do dano, pois ninguém vive isolado e, feito dano a si mesmo, os outros serão, também, prejudicados. Ele isenta desse princípio aqueles que são incapazes de se autogovernar, como as crianças pequenas ou aqueles que vivem em sociedades retrógradas.
Stuart Mill diz que o despotismo é uma forma de governo aceitável em sociedades que são “atrasadas”, porque nelas se observam barreiras para o progresso espontâneo. O déspota, porém, deve estar revestido de bons interesses.
Embora esse princípio pareça simples, há várias complicações. Por exemplo, Mill explicita que em “dano” podemos incluir atos de omissão ou de comissão. A questão sobre o que podemos considerar uma ação de auto-estima e que ações, se de omissão ou comissão, constituem relações danosas sujeitas à regulação continua a exercitar os intérpretes desse filósofo.
N’A Liberdade, Mill trata, também, de defender a liberdade de expressão. Ele argumenta que a liberdade de discurso é uma condição necessária para o progresso intelectual e social. Diz ele que permitir que uma pessoa expresse publicamente uma opinião falsa é produtivo por dois motivos: primeiro, os indivíduos são propensos a abandonar crenças errôneas se eles se envolvem em uma discussão aberta de ideias; segundo, ao forçar os outros indivíduos a re-examinar e reafirmar suas crenças no processo do debate, estas são protegidas da depauperação em um mero dogma.
Sobre a liberdade social e a tirania da maioria, Mill acreditava que a luta entre Liberdade e Autoridade é uma das características mais salientes na história da humanidade. Para ele, a liberdade na antiguidade era uma “competição entre sujeitos - ou algumas classes de sujeitos - e o governo”. Mill definiu a liberdade social como uma proteção da “tirania dos governantes políticos”. Ele nos introduz a uma gama de tiranias, incluindo a tirania social e a tirania da maioria (noção extraída Da democracia na América de Alexis de Tocqueville).
Liberdade social se trata de impor limites ao governante, assim ele não seria capaz de usar seu poder para satisfazer suas próprias vontades e tomar decisões que podem causar dano a sociedade. Mill destaca as limitações como podendo ser exercidas de duas formas basicamente: as imunidades civis e por garantias institucionais. As imunidades políticas consistiam numa série de direitos e liberdades políticas conferidas aos cidadãos e as garantias institucionais seriam órgãos estatais que zelassem pelo povo, assim como limitasse algumas decisões do governante a aprovação popular.
Entretanto limitar o poder do governo não é o suficiente. “A sociedade pode executar e executa os próprios mandatos; e, se ela expede mandatos errôneos ao invés de certos, ou mandatos relativos a coisas nas quais não deve intrometer-se, pratica uma tirania social mais terrível que muitas outras formas de opressão política, desde que, embora não apoiada ordinariamente nas mesmas penalidades extremas que estas últimas, deixa, entretanto, menos meios de fuga que elas, penetrando muito mais profundamente nas particularidades da vida e escravizando a própria alma.”
Sujeição das mulheres
Escrito em 1869, neste livro Mill ataca o argumento que dizia que as mulheres são naturalmente piores do que os homens em certos aspectos e que, por isso, elas deviam ser desencorajadas e proibidas de realizarem certos atos. Ele diz que se não se sabe do que as mulheres são capazes, é porque os homens nunca as deixam tentar – e não se pode fazer uma afirmação autoritária sem evidências.
Cria que os homens da sua época não poderiam saber qual era a natureza da mulher porque ela estava empacotada na maneira em que fora criada – induzida a agir como se fosse fraca, emotiva e dócil. Sugeriu que um experimento deveria ser feito para que se descobrisse o que as mulheres podiam ou não fazer.
Ele ataca, também, as leis do casamento, que ele compara à escravização da mulher, “não restam escravos legais, com exceção das senhoras em cada casa”.
O trabalho de Mill é claramente utilitarista e ele argumenta usando três considerações: o bem maior imediato, o enriquecimento da sociedade e o desenvolvimento individual. Ele defende uma reforma na legislação do casamento, pois este é reduzido a um acordo comercial. Junto com outras propostas, apoia a mudança das leis de herança, que permitiriam as mulheres a manter suas próprias propriedades e trabalharem fora de casa, ganhando independência e estabilidade financeira.
Mill é um ferrenho defensor do sufrágio para mulheres. Segundo ele, elas representam metade da população e tem o direito de votar, já que as políticas públicas as afetam também.
O modo como Mill interpretou certos assuntos variou com o tempo, mas há uma forte coerência em sua abordagem sob o ponto de vista do utilitarismo e o bem da sociedade. Por exemplo, cria que nada deveria ser tachado como “errado” só porque assim parece ou porque ninguém o fez no passado. Ao considerarmos nossas políticas, dizia ele, nós devemos procurar a maior felicidade do maior número de pessoas.
Com relação ao progresso da sociedade, Mill advogava que o bem maior é entendido, num sentido muito amplo, como sendo a evolução moral e intelectual da sociedade. Dizia que sociedades diferentes se encontravam em diferentes estágios de desenvolvimento ou civilização e, por isso, soluções diferentes seriam requeridas para cada uma delas. O que importa é como nós as encorajaríamos a avançar mais. Nós podemos dizer o mesmo sobre individuais. Mill tem uma ideia bastante específica do progresso individual, (1) Empregando faculdades superiores, (2) desenvolvimento moral, as pessoas colocam o estreito interesse por trás delas.
Escreveu que nós somos independentes, capazes de mudança e de sermos racionais. Dizia que a liberdade individual é a melhor rota para o desenvolvimento moral. Conforme nós nos desenvolvemos, somos capazes de nos autogovernarmos, tomarmos nossas próprias decisões e não dependermos do que os outros nos dizem para fazer. Democracia, para Mill, era uma forma de liberdade individual – tanto para homens quanto para mulheres. Isso significa dizer que, desde que nós não causemos danos aos outros, nós deveríamos ser livres para expressar nossa natureza e experimentar com as nossas vidas. O governo representativo, na visão de Mill, é uma maneira útil para nos fazer pensar sobre o bem comum.
Trabalhos sobre a religião
A crítica de Mill sobre as tradicionais doutrinas religiosas, as instituições e sua promoção da “religião da humanidade”, também dependia, em grande medida, sobre suas preocupações sobre a cultura humana e a educação. Embora os “filósofos radicais” de Bentham, Mill incluso, acreditavam que o cristianismo era uma superstição particularmente perniciosa que encorajou a indiferença ou hostilidade para a felicidade humana (a pedra angular da moralidade utilitarista), Mill também acreditava que a religião poderia servir às importantes necessidades éticas, fornecendo-nos "concepções ideais maiores e mais bonitas do que poderíamos ver concretizados na prosa da vida humana." (CW, X.419). Ao fazê-lo, a religião eleva nossos sentimentos, cultiva a simpatia com os outros e impregna até mesmo nossas atividades corriqueiras com um sentido de propósito.
A publicação póstuma Três Ensaios sobre Religião (1874), sobre "Natureza", a "Utilidade da Religião" e o "Teísmo", criticou os tradicionais pontos de vista religiosos e formulou uma alternativa sobre a aparência da Religião da Humanidade. Junto com a crítica dos efeitos morais da religião - que ele compartilhou com os Benthamistas, Mill também criticou a preguiça intelectual que permitiu a crença em um Deus onipotente e benevolente. Cria, do mesmo modo que seu pai, que o mundo como nós conhecemos não poderia ter surgido de tal Deus, caso contrário não existiria o mal desenfreado que cerca a vida de cada um de nós. Dizia que ou o poder de Deus é limitado ou Ele não é todo benevolente.
Além de atacar os argumentos relativos à essência de Deus, Mill questiona com uma série de argumentos a Sua existência, incluindo argumentos a priori. Ele conclui, usando o argumento tradicional – derivado de Aristóteles – que as únicas provas legítimas de que Deus é um a posteriori e responsável provável da concepção do universo, são as características complexas do mundo, pouco prováveis de terem surgido ao acaso, portanto, deve ter havido um designer. Mill reconhece que Darwin, em 1859, possa ter fornecido uma explicação totalmente naturalista, mas ele acreditava que era muito cedo para julgar o sucesso de Darwin.
Inspirado por Comte, Mill considera uma alternativa a religião tradicional a Religião da Humanidade, na qual uma humanidade idealizada se torna um objeto de reverência e as características moralmente úteis da religião tradicional são supostamente purificadas e acentuadas. A humanidade se torna uma fonte de inspiração ao ser colocado imaginativamente dentro do drama da história humana, que tem um destino ou ponto, ou seja, a vitória do bem sobre o mal. Como Mill coloca, a história deveria ser vista como "o desdobramento de um grande épico ou ação dramática" que termina “na felicidade ou miséria, na elevação ou degradação da raça humana.” “É um conflito constante entre o bem e poderes do mal, dos quais cada ato feito por qualquer um de nós, insignificantes como somos, constitui um dos incidentes.” Quando começamos a nos ver como os participantes desse drama maniqueísta, combatendo ao lado de Sócrates, Newton e Jesus para assegurar a vitória final do bem sobre o mal, nos tornamos capazes de uma maior simpatia e um sentido enobrecido do significado de nossas próprias vidas. A Religião da Humanidade, assim, age como um instrumento da cultura humana.
Referências
- John Stuart Mill - Stanford Encyclopedia of Philosophy
- John Stuart Mill - Utilitarianism
- John Stuart Mill - Newschool